Quero ir aonde ninguém quer, Jesus! Que saudades do Bairro do Barruncho…
É
com um sorriso rasgado e com os olhos a brilhar que a M. nos recebe na sua
casa. A demência não lhe permite ter plena noção de tudo o que faz, mas ela
sabe que aquele dia é especial. Há muito que a M. pedia à família para que o
padre fosse a sua casa, uma barraca num bairro pobre. Já não conseguia dizer
coisa com coisa, mas sabia que o padre estava ali. Só falava crioulo e mal se
entendia, mas o seu sorriso dizia tudo.
Este
foi dos momentos que mais me marcaram no Bairro do Barruncho, onde entrei pela
primeira vez com os Missionários Combonianos. Já lá vão uns anos, mas é
impossível esquecer aquela terra de missão, como gosto de dizer. Vivi momentos
muito duros, fui a funerais, vi muito sofrimento… Não me esqueço também do frio
que se entranhava nos ossos enquanto dávamos explicações às crianças dentro daquelas
barracas, onde nenhum ser humano devia viver. Não me esqueço também do esgoto
no largo onde as crianças costumavam brincar…
Mas
todos esses momentos menos bons não ofuscam o sorriso da M. e de todas aquelas
crianças… O Barruncho mostrou-me a beleza de Deus no meio da pobreza, no meio
daqueles que ninguém quer e que são estigmatizados e rejeitados pela sociedade.
Pessoas como eu e tu… Filhos de Deus, nossos irmãos em Cristo. Pessoas que nos
habituamos, mesmo inconscientemente, a colocar do outro lado. Eles e nós… Como
se isto fizesse algum sentido…
Foi
dos sítios onde mais li a Bíblia na vida de cada irmão em Cristo. Mesmo quando
o cansaço quase me derrubava, sentia os braços de Jesus a erguerem-me… Percebia
claramente que Jesus me dizia: “É aqui, junto de quem ninguém quer, que te peço
ajuda!”
Ainda
ontem senti isso ao encontrar a F. no Hospital, onde trabalha. Mais uma vez o
meu coração se sentiu apertado de tantas saudades que tenho desses tempos do
Barruncho… Mais uma vez disse a Jesus: “Sim, leva-me até quem ninguém quer, aos
lugares onde fazes mais falta, aos lugares onde a exclusão social não tem que
ter a última palavra…”
Aqui,
estou, Jesus! Não sei o que me espera, só sei que essa é a Tua vontade! Senti
isso desde o primeiro dia que entrei no Barruncho, senti isso no dia do
acidente e sinto cada vez mais a cada dia que passa… Molda-me, como barro, e
conduz-me onde precisas da minha ajuda! Ámen.
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