terça-feira, março 24, 2009

O que não se disse do Papa e do preservativo


Pediram-me um artigo de opinião sobre a temática. Partilho convosco. No blog posso dizer que escrevo como cristã, mas também como mestranda em Comunicação em Saúde. Estou a elaborar uma tese sobre a Prevenção das Infecções Sexualmente Transmitidas (IST) em bairros degradados na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

As declarações do Papa sobre o preservativo sem estarem contextualizadas criam muito mal estar. Sem dúvida. Mas, também acho que existe um grande desconhecimento do que a Igreja Católica faz no terreno. Quem conhecer as várias missões católicas pelo mundo sabe que a Igreja tem um papel importante a vários níveis e que … distribui preservativos em vários locais perante certas situações complexas. Aliás, a Igreja refere que há situações delicadas, como acontece em África ou entre casais com HIV/ Sida, em que se deve usar o preservativo.

Mas, não se fica por aí. A Igreja não acredita que basta o preservativo. Acredita que se devem transmitir também valores que levem à mudança de comportamentos e a uma maior noção da nossa vida e da vida dos outros. Refiro-me à responsabilização pelos nossos actos, do respeito pelos outros e pelo nosso próprio corpo, tendo noção que as doenças existem e se são evitáveis só temos de ter os comportamentos mais adequados.

E, de facto, o preservativo ajuda, mas não é tudo. É preciso haver responsabilização, conhecimento e noção de que a nossa liberdade termina onde começa a do próximo. Vejamos o caso do Uganda. O governo implementou um programa baseado na doutrina católica e no regresso aos valores tradicionais: promoveu sobretudo a abstinência e a monogamia. E só em último caso, aconselhava o uso de preservativo. As taxas de incidência de VIH baixaram de 15% (em 1991) para 5% (2001), de acordo com a OMS. Veja-se este caso em http://www.usaid.gov/our_work/global_health/aids/Countries/africa/uganda_report.pdf

Na Semana da Ciência do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (24 a 28 Novembro 2008), uma investigadora afirmou, perante uma plateia cheia de jovens, a necessidade da “monogamia” e da responsabilização pelos nossos actos. A questão extrava o mundo da religião.

Enfim, as palavras do Papa deveriam ter sido melhor contextualizadas, mas também acho que a Comunicação Social deveria falar das acções que há no terreno da parte da Igreja. Sou jornalista e nós temos algo que se chama “responsabilidade social”. Temos de ter noção das mensagens que transmitimos, isto é, devemos contextualizar as declarações dos nossos entrevistados e/ou dar o outro lado da questão. E isso não aconteceu. Lançaram-se as declarações e não se mostrou o que acontece no terreno. Com isto criou-se muito mal estar que não ajuda em nada a luta contra o VIH/Sida.

Além disso, sejamos sinceros: o Papa tem assim tanta influência? Tem junto de cristãos católicos bastante enraizados na Igreja (não falo de quem vai à Igreja de vez em quando) e que acreditam na monogamia e a praticam. De resto, não tem influência. É caso para dizer que este argumento não tem sentido.

11 comentários:

silvino disse...

desconhecia este teu lado académico :)

uhm ..como amar melhor? devia ser sempre a nossa pergunta e o centro da discussao..

joaquim disse...

Óptimo texto!

Não tem sentido realmente preconizar o uso do preservativo se não houver mudança dos comportamentos sexuais.

Sejamos realistas, o que faz proliferar a SIDA não é tão somente o não uso do preservativo, o que faz proliferar a SIDA é a promiscuidade e a falta de responsabilidade.

O caso do Uganda vem provar isso mesmo.

Só não percebo em que é que incomoda os não católicos as palavras do Papa.

Claro que há casos de transmissão por transfusão de sangue, mas hoje em dia serão muito raros.

Abraço amigo em Cristo

Ver para crer disse...

Infelizmente, há muita gente que só pensa em sexo.
E se aprendêssemos usá-lo com dignidade e amor?

Fá menor disse...

Gostei muito de ler este texto.

Sem dúvida que qualquer frase fora do seu contexto fica desprovida do sentido original. Há muita gente perita em deturpar o que se diz. Ainda para mais quando se visa o ataque.

A Igreja incomoda...

Beijinhos

Canela disse...

As palavras do Santo Padre e de outros presbiteros, só são "ouvidas" pela opinião publica e divulgadas em massa pelos media, para serem usadas e abusadas contra os ideais de moral que a Igreja defende!

Porquê?

A igreja incomoda, interpela!

Amiga Fá disses-te tudo, lá em cima.

a Paz de Cristo

Formiguinha disse...

Amiga do mê coração...

Sabes que te adoro e sabes como gosto de igual forma das nossas "discussões", como tal não posso deixar passar :-)!

Embora os teus argumentos sejam correctos e bem fundamentados não posso deixar de dizer que fiquei chocada quando vi a notícia...

Provavelmente o próprio Papa não sabe dos esforços / projectos de que falas... aliás, neste campo, existe um grande hiato entre o que é a posição oficial de igreja e as necessidades do terreno; e muitas destas iniciativas são mesmo desenvolvidas à revelia do Vaticano que, nalguns casos, só tardiamente se resigna a aceitá-las...

Vale a pena pensar nisto e talvez valha a pena apelar ao bom senso e elevar os valores do ser humano aos valores de uma moralidade que talvez seja meramente demagógica!

Bêjos

Marlene Maravilha disse...

"A Igreja não acredita que basta o preservativo. Acredita que se devem transmitir também valores que levem à mudança de comportamentos e a uma maior noção da nossa vida e da vida dos outros. Refiro-me à responsabilização pelos nossos actos, do respeito pelos outros e pelo nosso próprio corpo, tendo noção que as doenças existem e se são evitáveis só temos de ter os comportamentos mais adequados."

Isto está totalmente correto!
beijo grande e um lindo final de semana!
Excelente matéria!

Anónimo disse...

acho muito bem falarem disto porque tambem e importante transmitir as pessoas o que esta bem e o que esta mal.


bejos :)

Ailime disse...

Maria João,
Muita grata por estas tuas explicações!
Na verdade, a Comunicação Social, muitas vezes não cumpre os objectivos para que deveria estar vocacionada:
Informar com rigor e isenção. Todos ganharíamos com isso.
Actualmente e é uma pena, tornou-se também num negócio para vender mais.
Um beijinho e um bom domingo.

casualidade disse...

A vós me dirijo silvino, e joaquim .
A igreja tem falta de Envangelização, ou seja, de catequese dadas para jovens , que realmente keiram dar largas á sua intimidade, com as as moças que, que gostem , a Igreja está a começar a guerra , mas não sabe ao certo as carabinas, que deve usar (rsrs)

Ailime disse...

Há ainda infelizmente um enorme trabalho conjunto a efectuar entre a igreja e as entidades oficiais dos países onde prolifera o HIV/SIDA no sentido de educar e sensibilizar todos os cidadãos tendo em vista evitar a promiscuidade, que tanto contribui para este grave problema.
Não será fácil de resolver. Tenhamos esperança.
Um beijinho e parabéns pelo teu excelente trabalho.