“Peça ao médico para me dar um comprimido para dormir e nunca mais acordar”
Hoje fiz uma reportagem num serviço de
Ortopedia de um hospital de uma grande cidade. E lembrei-me da Palavra:
“Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não
lhe causes desgosto enquanto ele vive. Mesmo que ele esteja perdendo a
lucidez, procura ser compreensivo para com ele; não o humilhes, em nenhum dos
dias de sua vida: a caridade feita ao teu pai não será esquecida, mas
servirá para reparar os teus pecados e, na justiça, será para tua edificação.”
Eclo 3, 14-17
A senhora deve ter 90 ou mais anos, o cabelo
é como neve e está internada por causa de uma queda. Aliás, da queda já está a
recuperar, mantém-se no hospital, porque não tem para onde ir.
Quando falei com ela, pegou-me com muita
força na mão e pediu-me: “Peça ao médico para me dar um comprimido para dormir
e nunca mais acordar. Quando caí, devia ter batido com a cabeça, agora estava
morta.”
Aquelas palavras caíram como um balde água
fria. Disse-lhe que tinha um sorriso lindo, fiz-lhe festas com a mão que estava
livre – a outra ela não a largava – e não referi uma palavra em relação ao
comprimido. Não sabia o o que dizer…
Quando lhe falei do sorriso, ela disse-me que
tinha perdido uma filha, que o pai gostava muito de fado e que ela própria
cantava. E começou, com um sorriso lindo nos olhos: “Ai, quem me dera Ter outra vez vinte anos/ Ai! Como eu era Como te
amei” (O Meu Primeiro Amor de Amália Rodrigues)
Bati palmas, dei-lhe um beijo e disse: “Canta
tão bem, faça-o e sorria. É tão bonita!” E ela sorriu, deixou de pedir para
morrer e o sorriso não estava só nos lábios, mas também nos olhos.
Chocou-me muito ver a senhora sem ter uma
família para onde ir. O que estamos a fazer aos nossos velhos? Não nos
lembramos que também vamos ter rugas, cabelos brancos, falhas de memória, falta
de força nas pernas?
Jesus, acolhe esta senhora! Para onde vai?
Para um lar onde não há grande humanidade e onde vai ficar numa cama até morrer
de tristeza?
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