sábado, agosto 09, 2008

A experiência com os sem-abrigo

Cheguei da semana de missão com os sem-abrigo. Agradeço-vos por todas as orações. Foi uma semana muito intensa de trabalho, mas muito gratificante. O lema era “Com Cristo, rasga horizontes ao Amor”. E assim fizémos. As emoções são muitas, aprendi muito e, acreditem, que se vos contasse tudo o que me vai na alma, acabaria por escrever um livro. :)

Ao longo desta semana que passou, eu e mais 8 pessoas dos Missionários Combonianos estivémos na Comunidade Vida e Paz, em Lisboa. Fizémos sandes, lavámos, esfregámos, ajudámos na cozinha, animámos o espaço aberto que recebe sem-abrigo durante o dia, dando-lhes a oportunidade de saírem da rua através de programas de recuperação, andámos à noite a distribuir alimentos e a falar com as pessoas, visitámos as quintas de recuperação onde se faz um trabalho extraordinário e demos apoio espiritual. Tivémos sempre a ajuda da direcção, de outros voluntários e, o mais importante, de pessoas que recuperaram e que hoje têm casa, um trabalho, uma família. E, claro, o apoio de Cristo e Maria.

A realidade dos sem-abrigo é muito complexa. Cada caso é um caso. Há quem esteja na rua por que não quer mudar de vida e ter responsabilidades, mas a maioria está lá por que a vida entrou na completa ruína. Encontrámos imensos doentes mentais, muitos alcóolicos, prostitutas, toxicodependentes, imigrantes, desempregados, abandonados... O nosso objectivo não era apenas dar comida e roupa. Era também falar com as pessoas e levá-las para a recuperação. É muito fácil criticarmos e dizermos que eles estão na rua apenas por que o querem. Há situações em que é verdade. A família, os amigos e as instituições já os tentaram ajudar vezes sem conta e eles não aceitam. Mas, a maioria está lá por que perdeu toda a dignidade. É verdade que cometeram asneiras, mas também é verdade que nem sempre foram apoiados com aquela paciência de Cristo: esperar, bater à porta durante dias, meses ou anos. Sem desistir, apesar de se saber que, em muitos casos, a resposta há-de ser sempre “Não”.

Mas, é isso que devemos fazer. Bater, rasgar horizontes ao amor, levá-los a lutarem pela sua própria vida e tirar-lhes o vazio provocado pelo materialismo, auto-suficiência, individualismo, que, infelizmente, vem cada vez mais do exemplo da família. Não é fácil, mas é possível. Encontrei muitas pessoas que recuperaram e que são o grande exemplo de como é possível vencer, mesmo quando estamos no fundo do poço.

Deixo-vos as histórias (bem reais, infelizmente) que mais me marcaram pela positiva ou pela negativa:

- Não consigo esquecer as pessoas que saltaram da rua, do alcóol, da droga, da prostituição e que são um exemplo de como vale a pena bater e bater à porta. Um deles viveu 20 anos na droga... Agora, ninguém o reconhece. Está cheio de vida.

- A necessidade aflitiva de serem perdoados e de se perdoarem a eles próprios. Esta é a razão que leva muitos a continuarem no caminho de “escravidão”, como me dizia um toxicodependente no ex- Casal Ventoso.

- A quantidade de pessoas que estão na rua. Na estação do Oriente, é impressionante o número de pessoas que lá dormem.

- A solidão de um senhor que não é sem-abrigo, mas que foi ter connosco para desabafar.

- A importância de um simples aperto de mão a um sem-abrigo que está sujo, a um doente de sida (não ficamos infectados por dar um aperto de mão e esquecemo-nos tanto disso).

- O senhor que diz que é professor de História e está há anos na rua à espera de um barco que o leve.

- Do senhor que só vê a guerra colonial à sua frente e sente orgulho de ter “bombardeado Moçambique, sem deixar lá ninguém”.

- Dos imigrantes que vivem na rua, mas têm trabalho. Estão lá, porque o patrão não paga. Enquanto não arranjarem outro emprego para conseguirem a legalização, lá continuam...

- Das pessoas que quase caíam para cima de nós por causa do alcóol, mas que se sentiam bem em ver que os escutávamos, não lhes dando apenas uma sandes.

- Das crianças que vieram pedir leite e pão.

- Do senhor que nos queria dar um euro que ganhou a arrumar carros, porque se o ajudávamos, também nos tinha de ajudar. Não foi fácil convencê-lo de que não precisava de o fazer, mas lá conseguimos.

- Dos senhores que no dia a seguir foram pedir ajuda. Um deles está no hospital. Teve uma hemorragia interna. Está nos Cuidados Especiais. Rezemos por ele.

- A sede de Deus de tantas pessoas. A alegria de se sentirem acolhidas na missa.

Enfim... O texto já vai longo. O desafio que vos deixo é este: olhemos para a realidade, conheçamo-la e, com Cristo, rasguemos horizontes ao Amor. Principalmente ao Amor por aqueles que erram muito e, que, muitas vezes, só precisam de ser aceites e perdoados. Jesus fez e faz o mesmo e pede-nos para derrubar as barreiras que impedem o Amor de salvar e curar muitas pessoas. E, já agora, como cristãos, rezemos por todos os sem-abrigo.

18 comentários:

Fá menor disse...

Muito interessante este teu testemunho da tua experiência missionária.
Essas histórias reais, ao vivo, são o exemplo de tantas necessidades que existem e que nos passam ao lado...
Bem hajas pelo teu amor.
Beijos em Cristo e Maria

Ecclesiae Dei disse...

Que bela missão. Abençoada seja por dedicar sua semana a esses prediletos de Jesus!
Obrigado por partilhar conosco essas sensações e testemunhos.
Abraços e bom descanso merecido.

Maria Pires disse...

m.joão obrigado amiga pela sua experiencia que viveu ajudando os outros esses que mais precisam as veses basta um soriso porque deixaram de ssber sorrir mais uma vez obrigado pelo seu gesto foi lindo jesus viu.beijo bom.

Ailime disse...

Grata pelo impressionamte testemunho da realidade que viveu junto desses seres deserdados da sorte!
Que o seu exemplo nos ensine a todos a olhar cada outro como nossos irmãos!
Se me permite, deixo aqui um excerto de um "cântico" que certamente conhece, mas que lhe quero dedicar:
"A missão é Igreja
em movimento.
A missão é um dom
a partilhar.
A missão é fermento
A missão é boa nova
A missão são jovens
a cantar.
A missão é aldeia do amor
A missão é um mundo sem
fronteiras.
A missão é ir e vir.
A missão é raça e cor.
A missão é amar nações
inteiras".!

Bem haja por ser quem é!
Um grande beijo no Amor de Cristo!

Anónimo disse...

A prevenção face ao risco de piedosas memórias em experiências ocasionais com os pobres, as quais facilmente esmorecem no decorrer do tempo depois ocupado no quotidiano familiar e profissional, é manter sempre uma consciência desassossegada - consciência cristã - diante da realidade descoberta e conhecida na vivência em primeira pessoa. Pelo teu pedido de oração para a missão e pelo que leio do teu testemunho, estou certo que a tua vida será um desassossego enquanto houver um pobre que pode contar com a tua presença, a tua palavra e os teus gestos de uma caridade efectiva e afectiva, de uma solidariedade activa, de uma vontade de ser para os outros o que Cristo espera de ti… «Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’» (Mt 25,40).

Aida Melo disse...

Olá Maria João,
que bem que regressaste :-) mais rica e sempre a partilhar as tuas experiências! Obrigado, continuação de boas férias

Unknown disse...

Que lindo. Feliz por saber que pessoas como você existem... que saem de sua vida, de sua história, para cuidar de outras vidas e de outras histórias, tão necessitadas de um carinho, de amor...
Que Deus continue te abençoando

Elsa Sequeira disse...

Linda!
Amei!
Obrigado!

bjtsssssssss

Anónimo disse...

Maria João... Adorei... E cresce em mim este amor pelos sem-abrigo!
Deve ter sido uma semana fantástica, cheia de amor para dar a estas pessoas, que tanto sentem a falta dele!
Parabéns pela tua coragem e amor!
Beijinhos,

Fátima (Portal CJ)

joaquim disse...

Sem palavras Maria João, abraço-te e agradeço a Deus por ti e por todos os que como tu se entregam dessa maneira aos outros.

Abraço enorme, mais do que amigo, irmão em Cristo do
joaquim

Maristella Padão disse...

Oi maria!

Parabéns pelo rico trabalho, é preciso muito amor!
Com certeza, não te falta.
Obrigada por esta força e trabalho.
beijos com carinho, mari.

Formiguinha disse...

Minha querida!!!

Sabes o quento te admiro??? "un montón"!
Como já tive oportunidade de te dizer pessoalmente se houvessem mais pessoas como tu o mundo estava bem melhor!

Bêjos, boas "vacaciones" e não te arrependas nem te canses!!!

Ver para crer disse...

Deve ser um trabalho extenuante o de lidar com essa gente, mas felizmente sentes-te bem assim.
Juntas desse modo o útil ao agradável.

Dennys Silva-Reis disse...

Me disseram qeu a oração tem duas vertentes: ora e ação.... uma sem a outra não funciona.... quando oramos pedimos ao Senhor que sustente a obra.... quando agimos seguimos o conselho de São Paulo: a oração sem obras e morta....

Parabéns.... Deus te ilumine

Maristella Padão disse...

Amiga maria!

Hoje é dia para rezar para as almas da terra ou purgatório.
A oração: "Pai Eterno, eu vos ofereço o Preciosíssimo Sangue de Vosso Divino Filho Jesus, em união com as Missas celebradas hoje, nesse dia, através do mundo, por todas as santas Almas benditas do Purgatório, pelos pecadores do mundo, em todos os lugares, pelos pecadores, na Igreja Universal(católica),por aqueles da minha casa, família e meus vizinhos.
Amém."
Santa gertrudes.
Santo domingo.
Mari!

silvino disse...

que "inveja" tenho de ti. aproximaste-te tanto de cristo! encontraste o seu rosto e o seu modo de vida ..gostava de ter a coragem de me tornar próximo dessa realidade (a dos socialmente marginalizados) que jesus de nazaré tanto acarinhou, e que agora também tu segues tao bem as suas pisadas.

Madeleine K disse...

Que tocante!!!...Quanto é possível se aproximar de Deus quando nos aproximamos dos fracos e desvalidos!...Estar com o Deus dos miseráveis, tocar o Deus dos desvalidos...Quanto, quanto Ele nos quer tocando-O!...Seu blog é belo!!!Abços em Cristo!

antonio disse...

Um bem hajas pela tua entrega, isso é amor em acção.